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 Conceituação histórica

 


Belo Horizonte é uma cidade de pouco mais de um século que vem paulatinamente apagando sua memória desde sua concepção.
Com a decisão de se construir uma nova capital para o Estado de Minas Gerais a Comissão Construtora estudou 5 localidades dentre as quais o atual sítio de Belo Horizonte foi escolhido. Justamente por ter características ambientais adequadas para a construção de uma nova e moderna cidade.
O engenheiro responsável, Aarão Leal de Carvalho Reis, a época da escolha da localização para a nova capital, em 1883, ressalta as condições naturais do sítio (
posição geográfica, altitude, constituição geológica do solo, formação geral; regime de águas superficiais e subterrâneas; abastecimento de água e águas servidas e pluviais) como definidoras na opção.

No sítio escolhido se encontrava o arraial Curral Del Rey que foi sumariamente ignorado no momento da implantação da nova capital.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Curral Del Rey e a Nova Capital

 

O arraial contava com quase 1.400 habitantes, havia uma Matriz, na região onde hoje se encontra a Igreja da Boa Viagem e possuía traçado urbano em consonância com o sítio e seus cursos d’água.

A observância de um mapa comparativo (na galeria acima) entre o arruamento do arraial e o proposto pela Comissão para a Nova Capital, revela o absoluto apagamento do antigo.

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Planta Cadastral do extinto arraial Curral Del Rey comparada com a planta da nova capital no espaço abrangido por aquele arraial

 

À ocasião da implantação do projeto da Nova Capital - Belo Horizonte a Comissão Construtora propõe um traçado profundamente baseado nos ideais positivistas e higienistas.
O desenho contava com 3 zonas, a primeira foi denominada Área Urbana e correspondia ao perímetro original do arraial, a segunda foi nomeada Zona Suburbana e a terceira Sítios. Este segundo setor era admitido como uma região de traçado irregular e o terceiro de colônias agrícolas.

 

A organização dos arruamentos da zona urbana em trama geométrica foi explicada por Aarão Reis, engenheiro-chefe da Comissão Construtora da Nova Capital, em trecho do relatório sobre a planta definitiva de Belo Horizonte, aprovada pelo Decreto nº 817 de 15 de abril de 1895:

Foi organizada, a planta geral da futura cidade dispondo-se na parte central, no local do atual arraial, a área urbana, de 8.815.382 m², dividida em quarteirões de 120 m x 120 m pelas ruas, largas e bem orientadas, que se cruzam em ângulos retos, e por algumas avenidas que as cortam em ângulos de 45º.

Às ruas fiz dar a largura de 20 metros, necessária para a conveniente arborização, a livre circulação dos veículos, o trafego dos carros e trabalhos da colocação e reparações das canalizações subterrâneas. Às avenidas fixei a largura de 35 metros, suficiente para dar-lhes a beleza e o conforto que deverão, de futuro, proporcionar à população (…)”

 

O traçado geométrico serviu como claustro aos diversos cursos d’água que cortavam a capital. E como mencionado por John Ruskin:

 

“Os tabuleiros de xadrez não são apenas prisão para o corpo mas também sepulturas para a alma” (RUSKIN, 1910).

 

 

O desprezo a este marco natural da paisagem, instituído na sua própria construção em 1895, ilustra até os dias de hoje a relação dicotômica entre o homem e a natureza. A busca constante da dominação total da natureza versus a dependência de seus recursos, culminando na dinâmica de extração até a última gota de seus benefícios.

 

No meio urbano, temos a água como o bem precioso que, abastece e dá condições para a implantação de uma cidade em contraste com o rio transformado em esgoto, que exala mal cheiro, que serve de lixão e, consequentemente, com o rio que transborda nas épocas de chuva e causa imensos danos físicos e econômicos.

 

 

 

Hidrografia


Belo Horizonte se encontra assentada na bacia do Rio São Francisco e nas sub bacias do Arrudas e do Onça, com diversos cursos d’água e córregos cortando seu terreno.
Segundo dados do Drenurbs (Programa de Recuperação Ambiental e Saneamento de Fundos de Vale e dos Córregos em Leito Natural de Belo Horizonte), a cidade conta com aproximadamente 700km de cursos d’água, onde 400 km se encontram inseridos na malha urbana, metade destes cursos d’água já foram canalizados e a outra metade preservam-se em leito natural.

 

Urbanismo

 

 

Ao se contrapor os momentos históricos urbanos da trajetória da nova capital percebe se um apego a formas conservadoras no tratamento com o rio.

 

"durante muito tempo, a estratégia da engenharia fluvial e hidráulica esteve orientada no sentido de retificar o leito dos rios e córregos, para que suas vazões fossem dirigidas para jusante pelo caminho mais curto e com a maior velocidade de escoamento possível. Os objetivos principais visavam ganhar novas terras para a agricultura, novas áreas para a urbanização e minimizar os efeitos locais das cheias.” Walter Binder, Site Manuelzão

 

 

Mesmo em sua concepção se encontram contemporaneamente outras visões de urbanistas brasileiros criticando a forma com a qual foi implantado o desenho urbano. Em dois momentos os urbanistas Saturnino de Brito e Lincoln Continentino, criticam ou sugerem alterações.

Entre 1894 e 1895 Saturnino de Britto dirigiu os projetos de abastecimento de água potável em BH, ocasião na qual vem a conhecer e criticar o traçado imposto ao sitio natural. Como destacado no texto de Nilo de Oliveira Nascimento, Jean-Luc Bertrand-Krajewski e Ana Lúcia Britto; Águas urbanas e urbanismo na passagem do século XIX ao XX: o trabalho de Saturnino de Brito

 

“Em Urbanismo: a planta de Santos (BRITO, 1914), ele ressalta a adequação do projeto de Belo Horizonte e avalia positivamente o traçado moderno proposto para a nova capital, as dimensões das ruas e das áreas destinadas aos parques e jardins. Entretanto, considera que o traçado geométrico proposto (e finamente implantado) para a cidade é muito rígido por referência à rede hidrográfica natural do sítio, pequenos cursos d’água que drenam vales estreitos em meio a uma topografia variada caracterizada por colinas e terrenos íngremes. Ele ilustra suas críticas por meio de um traçado viário alternativo que valoriza a adaptação da geometria das ruas de forma a incorporar os cursos d’água ao plano urbano segundo a orientação dos estreitos fundos de vale.”

 

É necessário lembrar que, dos que se encontram em leito natural, grande parte estão poluídos desde muito próximo as suas nascentes e que os mesmos se encontram em sua maioria dentro de favelas.
Ainda dentro do perímetro da Avenida do Contorno ou seja do plano de Aarão Reis, 100% estão canalizados e cobertos ou seja invisíveis, como é o caso dos Córregos do Serra, Acaba Mundo e do Leitão; afluentes do Ribeirão Arrudas



Já em 1941, Lincoln Continentino, engenheiro sanitarista, propõe o Plano de Urbanismo de Belo Horizonte, que além de tratar da expansão da cidade e sua avenidas também contava com soluções para o sistema de transporte público e unificação das vias férreas. A renovação sistema de esgoto, águas pluviais e abastecimento de água faziam parte do plano de saneamento que contava ainda com um conjunto de parques ao longo do Rio Arrudas.
Um plano como este, prévio ao maior momento de expansão da cidade, poderia ter garantido a sobrevivência dos cursos d’água.

As canalizações e tapamentos dos córregos na década de 60 tem como background o boom do automóvel e a supressão dos bondes, as políticas públicas encorajavam o uso do transporte individual. Não é atoa que a cada córrego coberto uma ou duas pistas de rolamento eram adicionadas aos arruamentos.

Na década de 60, BH tirou das ruas seus bondes e córregos, enquanto São Paulo iniciava as obras de seu sistema de metro (1968). Mostrando mais uma vez seu atraso BH só inicia as obras da sua única linha de metro em 1981.

Enquanto diversos países investem em pesquisa e na renaturalização ou recuperação dos rios urbanos, tratando dos problemas sanitários,  introduzindo os na paisagem urbana como elemento de lazer e consequentemente na memoria afetiva da população, BH continua na contra mão  em pleno século XXI, jogando a sujeira para debaixo do tapete, ou seja, tampando mais e mais trechos dos rios. Vale lembrar que não só a prefeitura e governo do estado são negligentes perante a questão ambiental das nascente e dos cursos d’agua como um todo, mas também com a segurança da população em épocas de chuva

 

 

Espera se que a academia faça o  papel de questionar essas decisões e de criar novas soluções para a questão dos rios urbanos. A UFMG vem ensaiando uma possível renovação do córrego do Engenho Nogueira que passa dentro do campus, com diversas proposições de revitalização mas ainda sem certeza de execução.

Caso venha se a concretizar este projeto, pode ser um bom modelo para cidade

 

 

Renaturalização, revitalização e ressocialização

Os temas da renaturalização e revitalização são atualmente discutidos com desenvoltura em vários contextos, no entanto no âmbito da política pública e mesmo dentro da academia no Brasil é ainda uma questão pouco debatida.

 

 "O processo de renaturalização, através da engenharia ambiental, é um alento àqueles que acreditam num futuro saudável, na qualidade da água natural como condição de saúde e no resgate da função simbólica, lúdica e de lazer e entretenimento dos rios, principalmente nas regiões desprovidas de outros centros de lazer."

Trecho retirado do site Manuelzão.


O conceito de renaturalização, segundo o Projeto Manuelzão, consiste na recuperação dos rios e córregos de modo a regenerar o mais próximo possível a biota natural, através do manejo regular ou de programas de renaturalização; preservando as áreas naturais de inundação e impedindo quaisquer usos que inviabilizem tal função.
Para um contexto urbano tal nível de recuperação é extremamente complicado, o conceito de revitalização apresenta um panorama mais próximo ao atingível na cidade.

Ainda de acordo com o Projeto Manuelzão, revitalização é a forma mais eficiente de integração do curso d’água na cidade de forma harmônica.
Consistindo em investimentos em saneamento básico, desviando através de interceptores o esgoto até estações de tratamento e trazendo agua limpa de volta ao curso, combatendo erosões, plantando vegetação nas margens e resguardando a área de inundação natural do rio, evitando maiores problemas na época das cheias.
A revitalização consiste no restabelecimento do ciclo hidrológico, retorno da flora e fauna possibilitando um convívio próximo da população com o rio, como nadar e pescar.

Esses conceitos são dificilmente aplicáveis em todos os trechos dos córregos de Belo Horizonte, não só pela densa malha urbana mas também pela a impossibilidade de se voltar alguns deles as calhas originais.

Como exposto por Alessandro Borsagli e Fernanda Guerra Lima Medeiros em

Os córregos e a metrópole: a inserção no espaço urbano dos cursos d’água que atravessam a zona urbana de Belo Horizonte


“Apesar das políticas urbanas atuais valorizarem a inserção dos córregos não canalizados na paisagem urbana, como um agente concreto que a compõe, os córregos cobertos, ao que tudo indica ainda passarão décadas sob as vias e quarteirões até que se adote uma política de reinserção dos cursos d’água no espaço urbano”

 

Mesmo a revitalização exige custosos investimentos na reforma do sistema de esgoto, construção de novos emissários e mais do que isso é necessário o interesse do governo municipal já que tal intervenção consistiria na supressão de vias e mudança de circulação viária. Em uma época em que o governo ainda tem o transporte individual como protagonista das políticas urbanas da capital e se implantam projetos de tapamento do Rio Arrudas, uma possível revitalização parece muito distante
 

Em consonância com o conceito de urbanidade, integração dos aspectos ambientais e urbanísticos, a possibilidade de trazer o curso oculto a se ressocializar com a cidade e sua população aparece como uma primeira fase na reintegração total do rio na paisagem.

A ressocialização do curso d’água depende do conhecimento da população da sua existência e do desenvolvimento do afeto ao mesmo, o que só é possível com uma nova educação ambiental onde o rio não é visto como entrave ao desenvolvimento e sim como sinal do mesmo.

 

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